Thursday, 9 December 2010

Poema: Gular.

Gular.


Gula tem remédio,

pulsão de então, hoje então.

Sede tem remédio.

Água benta que se bebe e de tomar banho.

Todos os Neos e os fortes sabem:

Ferreira Gullar mata a gula que tenho.

Fome que tem remédio,

Palavra por palavra,

Pensamento por pensamento,

Criação por criação.

Adélia mata a sede que tenho.

Loucura por loucura,

Hóstia por hóstia,

Cor por cor.

Sinestesia que envolve.

Bandeira branca,

Meu Pessoa,

E Carlos,

todos tem o poder de remediar o irremediável.


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Poema escrito para o poeta Ferreira Gullar.


TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.


Poema: Casa rosa.

Casa rosa.

(para Odaléa Brando Barbosa)


Pra casa rosa se foram depois do casório.

Entre pássaros que já morreram,

mas que deixaram seus cantos,

cresceram palmeiras, frutos tropicais.

Se o amor se perdeu no tempo de ontem

ele se deixa viver no hoje da casa rosa.

Porém resta uma senhora na morada caprichosa.

Dama de vestidos soltos e longas histórias,

de serenatas de fadas e de montanhas verdes da paisagem.

Assim, luas e luas se passam na casa mágica de sonhos,

e, apesar de forte, se moveu com as vibrações do presente.

Casório, casa, luas, damas, sonhos,

tudo brota na casa rosa...

Tuesday, 7 December 2010

As capivaras da Barra da Tijuca.



Dias atrás, passando pela Barra da Tijuca me deparei com uma cena que me pareceu bastante interessante: na porta de um shopping center, à beira de um canal, estavam uma capivara e um cavalo pastando, e pensei comigo mesmo:-Será que somente Cingapura é o trópico que deu certo?!

Ou seja, depois de visitar Cingapura duas vezes e me apaixonar por esta cidade-Estado, notei que nossa caminhada rumo ao desenvolvimento passa por um caminho diferente daquele de Cingapura! Lá tudo é extremamente civilizado e ordeiro, com edificações contemporâneas construídas ao lado de edifícios coloniais, parecendo esquecer sua situação geográfica tropical (algo que o calor de mais de 30 graus não deixa realmente esquecer!), com povos de diferentes partes do mundo vivendo em real harmonia. Tudo parece tão surreal para alguém como eu, carioca acostumado com o caos de favelas e prédios, da divisão racial entre negro e branco, entre a Patricinha e o Mauricinho do restante do povo de Ipanema, dos guetos urbanos cariocas, etc...

Sempre pensei Cingapura como sendo o país tropical que deu certo! E acho que não me equivoco em pensar assim...foram conquistados pelos ingleses que deixaram ali sua língua (a maisimportante do mundo, digam o que digam...) e uma vocação financeira inegável. A dimensão do país é ínfima, se comparado com o Brasil. O país está localizado na ausência do que um dia foi partede uma floresta tropical.

Sempre achei que a Barra da Tijuca era a nossa Miami, porém a capivara e o cavalo mudaram minha opinião: a Barra não é Miami e nem é Cingapura, a Barra é a maneira brasileira de ser tropical e, ao mesmo tempo, querer ser contemporâneo. Explico: o transporte público na Barra é péssimo, já que somente os pobres o utilizam. Em Cingapura o transporte público é bom e todos o utilizam. Se a praia parece aproximar a a Barra à Miami, o ar caribenho-latino de Miami a afasta da Barra. A Barra da Tijuca é única, boa e má! A capivara e o cavalo não nos deixam esquecer que estamos nos trópicos, e que por aqui as coisas tem que ser diferentes da Europa ou do restando dos EUA!

Não quero definir meu pensamento por um determinismo geográfico e climático, porém temos que ter a real imagem de quem somos e que podemos alcançar e almejar. Se a Barra encontrar seu caminho entre a construção de shoppings e prédios e a preservação do meio ambiente, e se o transporte público for bom para todos, com certeza a Barra poderá ser nosso exemplo de trópico que deu certo! Não somente uma Cingapura de cimento e sem o verde tropical extinto e nem somente uma Miami de prédios e praias.

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Vivenciado e escrito por Walace Rodrigues, Mphil em Estudos Latino-Americanos e Ameríndios e MA em História da Arte Moderna e Contemporânea, ambos mestrados da Leiden University (Holanda), e Licenciado Pleno em Educação Artística pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.


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Thursday, 2 December 2010

Exímios ceramistas e também escultores em madeira da Associação dos Artesãos de Araçuaí - MG


Márcio Barbosa Silva (ou Marcinho Artesão, ou Márcio Barbosa) – peças de cerâmica sobre pratos para presépio, grande peça esculpida em madeira com a imagem de São Jorge e dois anjos, uma peça em madeira que deve tornar-se uma mesa (ou algo similar) onde se vê anjos e flores esculpidos, bem ao gosto do Barroco mineiro, e que a faz com a ajuda de Denilson. Marcinho me informou que aprendeu o “ofício de lidar com a madeira” com Dona Zefa, e que, desde pequeno, copiava seus trabalhos. A foto ao lado é de Marcinho.


Denilson Gonçalves Cardoso (Denilson) – diz que aprendeu a esculpir com Márcio e que estão trabalhando juntos a oito meses. Márcio me informa que tenta com que Denilson não vá para São Paulo buscar trabalho e que continue a aperfeiçoar sua arte como escultor e desenhista, e que o incentiva a ter seu próprio “estilo”, sem copiar seus trabalhos. Exímio desenhista, Denilson mostra sua forte influência Barroca em seus trabalhos em madeira. Denilson é jovem e a prova viva da criatividade artística do vale e de que a arte de Araçuaí deve passar de geração em geração, apesar do pouco dinheiro que se ganha como artista popular. Em baixo uma obra cerâmica de Denilson a secar.

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Vivenciado e escrito por Walace Rodrigues, Mphil em Estudos Latino-Americanos e Ameríndios e MA em História da Arte Moderna e Contemporânea, ambos mestrados da Leiden University (Holanda), e Licenciado Pleno em Educação Artística pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.


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Associação dos Artesãos de Araçuaí - MG


A Associação de Artesãos de Araçuaí mostra trabalhos dos artistas da cidade e de localidades vizinhas. Tem trabalhos de cerâmica, bordados, esculturas em madeira, móveis de madeira combinados com couro, painéis de madeira, colares e brincos indígenas, entre outros objetos. Porém, poucas peças utilitárias. Aqui deixo uma lista dos artistas que tinha objetos expostos na Associação:


Ceramistas expostos na Associação:

Elizângela Marques – bonecas de cerâmica;


Marilene Araújo Leite – figuras de noivos, noivas e figuras humanas em geral;


Marta Marques – figuras-potes, onde se pode notar grande influência indígena;


Edson Barbosa – principalmente figuras de violeiros e mulheres;


Raquel Pereira – cenas da vida quotidiana em obras como “confessar”, onde um padre confessa uma senhora na porta da igreja, ou “o recomeço”, onde um homem volta pra casa e sua mulher lhe espera feliz; ainda, cabeças de cerâmica em cima de tocos de madeira apoiados em pés de cerâmica;



Esculturas em madeira na Associação:

Ariosvaldo Pereira Dutra – crucifixos;


Delmiro Gomes – imagens de pássaros, de Cristo, de carros de bois, carneiros e outros animais, canoeiros e suas canoas, entre outras;


Arnaldo – peças de rostos;


Paulo Cruz – pequenas peças policromadas de carroças e pequenos objetos que mesclam formas conhecidas em uma arrumação inusitada.


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Vivenciado e escrito por Walace Rodrigues, Mphil em Estudos Latino-Americanos e Ameríndios e MA em História da Arte Moderna e Contemporânea, ambos mestrados da Leiden University (Holanda), e Licenciado Pleno em Educação Artística pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.


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Dona Zefa - Araçuaí - Vale do Jequitinhonha - MG


Josefa Alves dos Reis, nascida em 7 de agosto de 1925, mais conhecida como Dona Zefa, rezadeira, contadora de histórias e escultora aposentada, é uma das figuras mais amáveis e interessantes de Araçuaí. Há muito alguém não me cativava tanto quanto esta senhora com mente fértil. Nasceu Sergipana do polígono das secas e foi para Serra dos Aimorés com toda sua família. Contou que seus avós eram fazendeiros ricos e que seu pai teve que vender as terras da família por causa de uma seca prolongada por mais de três anos. Nascida em uma família grande: eram oito moças (incluindo ela), dois rapazes, o pai e a mãe. A família também viveu nas localidades de Lençóis e Bananeira. Entretanto, ela, depois de muitos anos por esse Brasil afora, resolveu instalar-se em Araçuaí.


Começou a talhar a madeira por necessidade, fazendo uma cama! Foi marceneira em Teófilo Otoni, morando na Vila Magnólia, um dos muitos lugares por onde se instalou. Alugou ai três cômodos de um casarão. Esta primeira cama foi vendida para um soldado de Diamantina. Um vizinho, que era de Araçuaí, a convenceu a ir para lá. Pensou que iria ficar rica fazendo camas e cadeiras, mas isso não aconteceu. Como ela era “uma doida braba do Nordeste”, em suas próprias palavras e de um dentista que conhecia, decidiu mudar-se para o vale. Desde tempos em que mochila era chamada de “cacaio”, ela fez de tudo nos quarenta e nove anos que mora em Araçuaí: mascateou, comprou e vendeu móveis antigos em nome de pessoas que não queriam se identificar, e terminou fazendo artesanato. Ela disse-me: “o artesanato me ajudou demais!”. Seu talento em trabalhar com a madeira a fez uma artista popular conhecida, apesar de sua pobre morada atual, que comprou com o dinheiro ganho do artesanato.

Contou-me que havia visto gente do bando de Lampião, como Azulão, Zé Baiano e Zé Sereno, entre outros. Diz ser uma “contadora de histórias” antes de ser artista, e que aprendeu o ofício de rezadeira aos dez anos de idade. Falou que Dom Serafim (Serafim Fernandes de Araújo), cardeal de Belo Horizonte, foi quem ajudou as feiras de artesanato a progredirem; que viu o Zepelim aos doze anos de idade e que o povo se apavorou com o objeto voador. Também mencionou a importância do Projeto Rondon (1967-1989) para a valorização do artesanato e dos artesãos do vale. Porém, pelo grande número de jovens escultores populares de madeira em Araçuaí, pode-se notar que Dona Zefa teve influência importante no oficio de difundir esta forma de arte neste município.



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Vivenciado e escrito por Walace Rodrigues, Mphil em Estudos Latino-Americanos e Ameríndios e MA em História da Arte Moderna e Contemporânea, ambos mestrados da Leiden University (Holanda), e Licenciado Pleno em Educação Artística pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.


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Dona Lira - Araçuaí - Vale do Jequitinhonha - MG


Maria Lira Marques Borges, nascida e criada em Araçuaí, é uma das famosas artesãs desta cidade. Mais conhecida como Dona Lira, expôs em várias galerias brasileiras e tem em seu trabalho uma mescla de influências indígenas (Araçuaí foi, no passado, um local com população indígena) e negras (nas fazendas do vale trabalharam muitos escravos negros). Seus temas mais recorrentes são as máscaras de cerâmica.


Quando era pequena brincava de modelar com cera de abelha que seu pai utilizava para colar sapatos. Na mesma época se interessava pelas cerâmicas não-queimadas de sua mãe (Dona Odélia). Sua mãe fazia presépios de barro para presentear amigos e familiares na época de Natal. Ela dizia-me: “Minha mãe tinha muito gosto em fazer arte.” Dona Odélia também fazia caricaturas em barro para brincar com os conhecidos e amigos, como me comentava Dona Lira. As peças de Dona Odélia não iam ao forno e eram feitas de uma mistura de argila, cinza e trigo.


Foi uma ceramista da região, Dona Joana Poteira, que instruiu Dona Lira nos caminhos das técnicas da cerâmica. Ela a ensinou a “mexer com barro”, levando-a ao “barreiro” (lugar onde se retira a argila, que o povo em Araçuaí chama “olaria”), ensinando que “o barro se tira em lua fraca”, mostrando como se fazia um forno, como preparar o barro (socar o barro no pilão; sovar, batendo com as mão para ficar sem bolhas; colocar os bolinhos nos sacos plásticos, etc), como escolher a lenha para a queima, como arrumar as peças no forno e como atear o fogo, entre as várias etapas do processo cerâmico.


Hoje em dia, além de dedicar-se a suas máscaras de cerâmica, Dona Lira faz “pinturas de terra”, como ela mesmo chama, que são obras de pintura de argila sobre papel, utilizando as várias cores da argila para produzir peças de mais fácil acessibilidade para os “consumidores”. Essas pinturas mesclam, a meu ver, elementos católicos, indígenas e da cultura negra. A partir da produção desses “desenhos”, ela me diz, passaram a chamá-la de “artista plástica”.


Dona Lira me informa que foram a presença da empresa Codevale (Comissão do Desenvolvimento Vale do Jequitinhonha) e do Projeto Rondon, ambos nos anos 1970, que divulgaram para o Brasil os artistas da região e seus trabalhos. Também na década de 1970, junto a frei Chico (Francisco van der Poel, ofm), ajudou a fundar o Coral Trovadores do Vale, de que se orgulha muito.


Com o mesmo frei Chico, Dona Lira trabalhou recolhendo orações (rezas contra quebranto, mal-olhado, etc), cantos variados (batuques, de roda, de beira-mar, de cegos, etc), histórias e muitas outras peças de tradição oral que ouviu pelo vale afora. Com a especial ajuda de Dona Lira, frei Chico lançou o livro Abecedário da Religiosidade Popular (Van der Poel, F. Ribeirão das Neves, 2008), uma expressiva coletânea de verbetes sobre a rica e variada religiosidade e cultura popular brasileiras.

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Vivenciado e escrito por Walace Rodrigues, Mphil em Estudos Latino-Americanos e Ameríndios e MA em História da Arte Moderna e Contemporânea, ambos mestrados da Leiden University (Holanda), e Licenciado Pleno em Educação Artística pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.


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Diário de Viagem ao Vale do Jequitinhonha.


No dia 23 de novembro de 2010 saí em direção ao Vale do Jequitinhonha. Minha missão (pelo menos na minha cabeça) era pesquisar sobre a arte popular produzida no Vale e percorrê-lo todo, ou grande parte dele. Voei para Belo Horizonte e rumei em direção a Diamantina.


A cidade de Diamantina é realmente histórica e interessante, mas havia pouco de arte popular produzida no Vale do Jequitinhonha ai, apesar de Diamantina já ser parte do vale. Assim, depois de alguns dias em Diamantina rumei para Araçuaí, cidade realmente cravada no vale e de grande artistas populares. Lá encontrei Dona Lira, famosa por suas máscaras de cerâmica com influências índias e negras; Dona Zefa, uma das melhores contadoras de histórias que já encontrei na vida e uma famosa escultora em madeira; Marcinho Artesão, um pupilo de Dona Zefa e exímio ceramista e escultor em madeira; e Denilson, seu “aprendiz”, um rapaz com um talento imenso para várias artes, entre elas desenho, escultura e cerâmica.

No mercado municipal de Araçuaí encontrei os vários produtos típicos da região: o licor de manga, a cestaria utilitária, cerâmica utilitária (a maioria era de panelas e cofres em forma de porcos e galinhas) da área do Pasmado (a 10 km de Itaobim), os queijos produzidos nas zonas rurais do vale, requeijão, geleias, doces, rapaduras e vários tipos de cachaças, entre outras várias iguarias. Um verdadeiro paraíso para quem aprecia a culinária regional do vale. Uma das vendedoras, Rejane, me informou que os artefatos de cestaria (de palha e bambu) e as cerâmicas eram feitos pelo “povo da roça” de Araçuaí, não sabendo identificar os artesãos. Somente os grandes cestos de bambu tinham um autor certo: seu pai, que preferia a roça `a cidade.


Fui informado pelo dono da Pousada Otoni, onde fiquei em Araçuaí, que alguns dos ceramistas do Pasmado tinham problemas de alcoolismo e dependiam da venda da cerâmica para pagar pelo seu vício. O Pasmado é uma localidade onde um grupo de ceramistas se dedicam exclusivamente às atividades de fabrico e venda de artefatos cerâmicos utilitários e decorativos, sendo mesmo a maioria das peças utilitária. Ai se fazem os burrinhos para colocar plantas e os cofres em forma de galinha e porco.









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Vivenciado e escrito por Walace Rodrigues, Mphil em Estudos Latino-Americanos e Ameríndios e MA em História da Arte Moderna e Contemporânea, ambos mestrados da Leiden University (Holanda), e Licenciado Pleno em Educação Artística pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.


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